Entender melhor a cultura ajuda a entender melhor a nós mesmos – as forças que agem em nós e definem quem somos, refletindo nos grupos em que nos identificamos e que desejamos pertencer.
Na organização, entender a cultura implica em saber o que “funciona” na empresa e o que simplesmente “não encaixa”. É entender que mais que “certo ou errado” existe o “compatível ou incompatível”.
Não há cultura organizacional certa nem errada, melhor ou pior. Mas, há, com certeza, culturas mais ou menos favoráveis a determinadas intencionalidades.
O que é cultura organizacional
Cultura é um jeito institucionalizado de pensar e agir. É um conjunto de estruturas, rotinas, regras e normas que orientam e restringem o comportamento. A cultura organizacional constitui essa institucionalização, esse “jeito de pensar e agir” no escopo da organização.
A cultura, como conceito, é uma abstração, mas, suas consequências são bastante concretas. O “padrão coerente para tomada de decisões” expresso na estratégia só será observado se for compatível com o “jeito de pensar e agir” consolidado na cultura.
O pensamento estratégico é, portanto, impossível de dissociar da percepção cultural. Ou seja, da habilidade de perceber a realidade, oportunidades e desafios sob as lentes da cultura vigente.
Relação da cultura e da liderança
A cultura inicia-se com líderes que impõem seus próprios valores e suposições a um grupo, mas avança de maneira orgânica.
O sucesso de um grupo, comprovando a validade das suposições de seus líderes, é a gênese da cultura que orientará a evolução deste grupo, indicando, inclusive, que tipos de lideranças serão aceitáveis no futuro. Ou seja, ciclicamente, a liderança define a cultura, então, a cultura define a liderança.
Perceber os limites culturaise a desenvolver é o desafio definitivo da liderança. Afinal, embora a cultura seja resultado de um processo evolutivo complexo, apenas parcialmente influenciado pelo líder, quando a sobrevivência do grupo estiver ameaçada em função de elementos culturais, é função dos líderes, de todos os níveis, reconhecer e fazer algo com relação a essa situação.
Os diversos níveis da cultura
A cultura fica manifesta tanto em elementos muito tangíveis – fáceis de ver e sentir -, designados artefatos, quanto em suposições básicas – inconscientes e ocultas. Entre essas “camadas” há ainda crenças, valores, normas e regras de comportamento assumidas.
Na prática, tudo fala sobre a cultura. Frequentemente, adota-se o “modelo de Schein” para a definição de uma hierarquia de três níveis culturais.
Modelo de Schein
O modelo de Schein é uma teoria de modelo de cultura organizacional e foi desenvolvido pelo psicólogo social Edgar Schein (Nascido em 1928) no começo dos anos 1980. Este modelo tornou-se então uma das influências para as teorias de cultura organizacional e se baseia na idéia de que a Cultura de uma organização existe em três diferentes níveis, sendo eles: Artefatos, Normas e Valores e Pressupostos (suposições básicas).
Explicando:
- Os “artefatos” são todos os elementos perceptíveis da organização que comunicam, de maneira mais ou menos explícita, a cultura. Uniformes, layouts de escritórios, vocabulário, estacionamento, elevador (exclusivo).
- As crenças e valores expostos são todos os elementos menos perceptíveis que os artefatos, mas que influenciam as decisões. Intencionalidade estratégica, conjunto de metas, filosofias e justificativas.
- As “suposições básicas” são os elementos mais fundamentais, muitas vezes inconscientes da cultura. Crenças, percepções, preconceitos, pensamentos e sentimentos inconscientes.
Dá “superfície” para o “profundo” e vice-versa, tudo está relacionado e tudo se influencia. Entretanto, quando mais “profundos” forem os elementos da cultura, mais “enraizados” eles estão.
Não é raro que, tentando replicar características de outras culturas, organizações tentem replicar seus artefatos. Squads, por exemplo, são artefatos da cultura ágil da Spotify – frequentemente “replicados”, principalmente por empresas que desejam aderir a moda ágil, mas que acabam se demonstrando insuficientes para gerar valor por falta de muitas das crenças e valores e, obviamente, das suposições básicas. Outro bom exemplo é o “modelo Toyota de para a qualidade total” que, na prática, só “funcionou de verdade” dentro da própria Toyota.
Por ter tantos níveis, a mudança cultural é tão difícil e, geralmente, toma tempo.
O “iceberg” da cultura
É comum relacionar o modelo de Schein também a alegoria de um iceberg, onde os artefatos – elementos mais perceptíveis da cultura – correspondem a “ponta do iceberg” – que é sua parte visível. A ideia é de que a maior parte dos elementos que constituem a cultura, assim como a maior parte de um iceberg, é oculta.
Conhecer a cultura de uma organização toma tempo e é muito perigoso fazer qualquer tipo de inferência apenas pelos elementos visíveis – como os artefatos.
Cultura forte e cultura fraca
A força de uma cultura é determinada por quão profunda e compartilhada ela é. Uma cultura, para ser forte, precisa ir muito além dos “artefatos” – precisa ser pautada em crenças e valores expostos que, por sua vez, são baseados em suposições consistentes. Além disso, para ser forte, uma cultura precisa estar amplamente “compartilhada”.
Não raro nas organizações, áreas de atuação muito distintas colecionam suposições básicas também muito distintas. Esse “choque cultural”, geralmente acaba dando origem a conflitos. Bom exemplo disso é a “briga” entre áreas técnicas e de negócios.
Mudando a cultura
Mudanças na cultura são difíceis e tomam tempo e, eventualmente, parecem quase impossíveis. Quanto mais forte for a cultura, mais difícil e trabalhoso modificá-la. A mudança da cultura acontece mediante a adição da introdução de estímulos ou pela ocorrência de eventos traumáticos.
Recentemente, por exemplo, a pandemia do COVID-19 serviu de gatilho para uma série de eventos impactantes para as culturas organizacionais. A necessidade do trabalho remoto entrou em conflito direto com as suposições básicas sobre a necessidade de micro-gestão. A ideia de que “é o olho do dono que engorda o gato” mostrou-se difícil de cumprir e muitos gestores limitados a “garantir que todo mundo esteja trabalhando”, sem o controle direto, passaram por dificuldades. Os retornos gradativo aos ambientes de trabalho, agora, também são eventos impactantes para as culturas organizacionais.
Fusões e aquisições também exercem forte impacto sobre a cultura. Quase sempre, os processos de “integração” constituem embates culturais onde a cultura mais forte acaba suplantando a cultura mais fraca. Aliás, importante entender que quem “compra” não tem necessariamente a cultura mais forte.
Tipos culturais segundo Westrum
Recentemente, tem ganho destaque três categorias de tipos de culturas organizacionais propostos por Ron Westrum. Segundo ele, organizações podem ter culturas passionais, burocráticas ou generativas.
Empresas patológicas são:
- Voltadas ao poder
- Pouco esforço de cooperação (fatalmente, sem agilidade)
- “Mensageiros” são atacados (mensageiro é qualquer um que aponte ou indique problemas)
- Responsabilidades são evitadas
- Conciliações são desencorajadas
- Falhas levam à busca de um “culpado” (bode expiatório)
- Novas ideias são destruídas ou “engavetadas”.
Em empresas patológicas “manda quem pode, obedece que tem juízo”.
Empresas burocráticas são:
- Voltadas a regras
- Cooperação existente, porém modesta
- “Mensageiros” são negligenciados
- Responsabilidades são “limitadas” (cada um no “seu quadrado”)
- Conciliações são apenas toleradas
- Falhas levam a “punição justa”
- Novas ideias são percebidas como causadoras de problemas (assim como seus proponentes)
Em empresas burocráticas “as pessoas jogam com o livro de regras debaixo do braço”.
Finalmente, empresas generativas são:
- Voltadas ao desempenho (muitas vezes, com impulsos meritocráticos)
- Cooperação existente e incentivada
- “Mensageiros” são treinados e desenvolvidos (sempre que perguntar algo, esteja preparado para a resposta)
- Riscos são compartilhados
- Conciliações são incentivadas
- Falhas levam a investigações para aprendizado
- Novas ideias são implantadas e validadas
Perigosamente, muitos executivos confundem, perigosamente, culturas generativas com culturas de startup.
Duas perguntas “inconvenientes” sobre a cultura
Embora difícil, o diagnóstico da cultura corporativa é necessário para que a liderança consiga direcionar os ajustes necessários.
Uma reflexão que pode ajudar a entender muito da cultura de uma organização começa com o esforço para responder duas perguntas simples:
- O que alguém precisa fazer para ser promovido na empresa?
- O que alguém precisa fazer para ser demitido na empresa?
Ambas perguntas são interessantes por revelar o que, de fato, é valorizado e, também, o que não é tolerado em uma organização.
Ocorrências de promoção e demissão são artefatos visíveis, justificados, mesmo que superficialmente, por crenças e valores expostos e fundamentados em suposições básicas. Por exemplo, uma empresa que não “promove” mulheres a cargos de liderança, provavelmente, tem suposições básicas machistas.
Em empresas familiares, é comum perceber que “parentesco” e “relacionamento” são critérios de promoção e desligamento.
Antes de seguir em frente…
Antes de avançar, sugiro as seguintes reflexões:
- A cultura vigente em sua organização favorece um dificulta a atual intencionalidade estratégica?
- Quais são os principais desafios culturais enfrentados pela organização hoje?
- Quais são os traços culturais mais favoráveis de sua organização?
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