Não é raro encontrar pessoas condenando a “prática política” nas organizações. Entretanto, é importante fazer distinção entre competência política e politicagem – enquanto a segunda é condenável e detestável, a primeira é uma necessidade.
Qualquer pessoa interessada em promover melhorias de longo prazo, ou seja, estratégicas, precisa entender que desenvolver competência política é fundamental. Além disso, nem tudo que parece “politicagem”, de fato, é.
Relações políticas são, sempre, relações de poder.
O que é poder
O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.
Lord Acton |
Poder é a capacidade ou possibilidade de agir e produzir efeitos. Quanto mais “espaço de ação” e influência na “produção de efeitos” alguém possuir, mais poderoso.
O bom exercício do poder será aquele onde o objetivo é produzir a felicidade de todos, o bem comum. Entretanto , é importante lembrar que bom-senso não é senso comum.
Parte considerável do poder sempre será exercido para sua própria manutenção. Quando ocorrem mudanças nas dinâmicas de poder em um sistema (Estado, famílias, organizações, etc), ocorrem também mudanças nas dinâmicas de relacionamento e cooperação/colaboração.
Alterações nas estruturas de poder são sempre estratégicas.
Qual é a origem do poder
Quer ter acesso a CEO de uma organização? Mantenha uma boa relação com a secretária dela! A secretária não é “dona” do tempo da executiva, mas seguramente tem influência determinante na distribuição desse recurso escasso. Controlar a agenda e o acesso a CEO confere poder a secretária executiva.
Em análise mais ampla, o poder do Estado emana em grande parte do fato de ele deter o “monopólio do uso legítimo da força” e, consequentemente, a capacidade de controlar a distribuição de praticamente qualquer tipo de recurso para a sociedade. Em comunidades onde esse “monopólio” é contestado, o Estado é enfraquecido e as dinâmicas sociais abaladas. A prerrogativa do uso da força para controlar a distribuição de recursos, escassos ou não, é o que confere poder ao Estado.
Em uma empresa, geralmente os “donos” detêm controle sobre capital e o direito de contratar/demitir. Daí, emana poder que, invariavelmente, influencia nas relações e estabelece hierarquias, senão de gestão, de poder. Talvez, a maior demonstração de força nas relações entre capital e trabalho aconteça exatamente quando quem pode, deliberadamente, abre mão de poder.
O homem é um ser político por natureza.
Aristóteles |
Quanto mais escasso for um recurso maior a alçada de quem o controla, daí o fato “não surpreendente” de que a agenda dos conselhos de administração seja concentrada, muitas vezes em totalidade, no gestão de recursos financeiros e em governança.
Governança corporativa em tempos de transformação digital, ágil e social Governança Corporativa Governança corporativa é tema essencial para qualquer pessoa que trabalhe em organizações onde recursos externos são empregados no desenvolvimento de iniciativas internas.Neste capítulo, apresento definições e reflexões relacionadas a Governança Corporativa nos dias de hoje. |
O que é política
A “política” é o conjunto de práticas e processos relacionados a prática de governar ou decidir. Ela nasce da necessidade de estabelecimento de acordos entre pessoas que controlam diferentes recursos escassos. Enfaticamente, a política “delimita” o poder.
A palavra “política” é derivada do termo grego politikos, que designava os cidadãos que conviviam na polis. Polis, por sua vez, era usada para se referir à “cidade” e também, em sentido mais abrangente, à sociedade organizada ou, de forma mais restrita, modernamente, organizações.
Onde quer que haja duas ou mais pessoas, haverá a necessidade de definir regras de convivência, limites de ação e deveres comuns. A política acontece justamente no ato de existir em conjunto influenciando como ocorrerá a distribuição de recursos, logo, as fontes de poder.
O filósofo grego Aristóteles definiu o ser humano como um animal político, ou seja, um ser que inconscientemente busca a vida em comunidade, porque suas necessidades materiais e emocionais só podem ser satisfeitas pela convivência com outras pessoas – que, eventualmente, lhe irão lhe fornecer os recursos que lhe faltam.
Política como a “arte das trocas”
Sem “força política” suficiente, uma entidade pode ser “forçada” à cessão de recursos pela imposição da força de outra parte. Na mesma linha, pode ter de “pagar bem caro” por recursos em que é carente ou ter de lidar com indisponibilidade.
Não parece justo. Mas é como as coisas são.
Relação da política/poder com a estratégia
Já sabemos que a realização da estratégia está associada a capacidade de uma organização desenvolver capabilities que suportem melhorias de longo prazo na operação, melhorando resultados. Estas, por sua vez, demandam recursos – incluindo competências e pessoas.
Em qualquer organização, a demanda por recursos-chave sempre será maior do que a disponibilidade, mesmo para melhorias de longo prazo. Daí o estabelecimento de dinâmicas de poder e, consequentemente, de relações políticas.
Dinâmicas de poder, sem devida competência política, favorece a politicagem.
Modelando capabilities Manual do Arquiteto Corporativo Relacionar interessados, aspectos de interesse, objetivos, metas, conhecimentos prévios, capabilities e recursos-chave é competência básica de arquitetos corporativos.Esse capítulo mostra artifícios de modelagem úteis ao pensamento estratégico. |
Sejam em organizações patológicas (orientadas ao poder), burocráticas (orientadas a normas e regras) ou generativas (orientadas ao resultado), competência política é essencial.
Como desenvolver competência política
Competência é sempre a combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes.
A competência política nasce do entendimento das forças que determinam as dinâmicas de poder, ou seja, dos recursos escassos e de quem controla a distribuição desses recursos. Acima de tudo, das capacidades de barganha de cada parte.
O “competente político” entende que parcerias precisa estabelecer (acima daquelas que deseja estabelecer). Para isso, precisa estar habilitado para conduzir negociações, sabendo quando cumprir ou eventualmente descumprir acordos. Faz isso, transformando a política em prática.
O “competente político” conduz, preferencialmente, suas iniciativas com retidão ética, fugindo da politicagem.
O “competente político”, acima de tudo, não é ingênuo nem simplório. Ele entende que terá mais chances de êxito se tiver controle de distribuição sobre algum recurso escasso.
Antes de seguir em frente…
Antes de avançar para o próximo capítulo, recomendo as seguintes reflexões:
- O que predomina em sua organização: relações políticas saudáveis ou politicagens?
- Quais são os recursos mais escassos em sua organização e como é controlada a distribuição?
- Como anda sua “competência política”?