É fundamental lembrar que pensar a estratégia implica, sempre, em pensar sobre a competição. Nesse aspecto, a principal “novidade”, nos últimos anos, tem sido a proliferação das plataformas – uma forma inovadora, complexa e multidimensional de integrar cadeias de valor.
Pensar estrategicamente sem considerar plataformas implica no risco de deixar pouco sob o que pensar.
The Business of Platforms Excelente livro que trata do tema “plataformas” de maneira abrangente, considerando diversos cenários de aplicação, com fundações sólidas e exemplos claros. |
O caso da Apple
Anos atrás a Apple redefiniu o mercado de dispositivos móveis com seu iPhone.
A empresa, relativamente pouco expressiva no mercado da computação pessoal, embarcou em outro, aparentemente consolidado, desbancando empresas como Samsung, Motorola e Nokia. Seu diferencial? Enquanto todas as concorrentes atuavam como pipelines eficientes a “nova entrante” se definia como plataforma.
Antes de desafiar as gigantes da telefonia, a Apple já havia “sacudido” o mercado fonográfico com o iPod e com a iTunes Store. Frente ao novo desafio, a empresa tinha o iPhone (um iPod que acessava a internet e fazia ligações) e a App Store (a partir da segunda versão do modelo).
O surgimento da plataforma da Apple, fechada, levou ao surgimento de outra plataforma, mais aberta: o Android (da Google).
Juntas, plataforma Apple e Android atingiram quase papel de dominância, fazendo sucumbir o BlackBerry e “não deixando nascer” o Windows Phone, oferta da Microsoft.
A Apple conseguiu trazer para sua plataforma um “efeito de rede positivo”. O maior número de usuários de iPhone atrai um maior número de desenvolvedores interessados em qualificar a plataforma o que, por sua vez, atrai ainda mais usuários para a plataforma.
O ecossistema no entorno da plataforma da Apple é tão forte que tem garantido o sucesso de outros produtos (interfaces para a plataforma) oferecidos pela companhia, como o iPad, AppleTV e o Apple Watch.
O sucesso do iPhone e do iPod incentivou a Apple a abrir suas lojas.
O caso da Microsoft (com o Windows)
Por muitos anos, a Microsoft praticamente ditou sozinha os rumos da computação pessoal. Como? A empresa era a proprietária do MS-DOS e do Windows. Sistemas operacionais que funcionaram como plataforma de inovações e que, até hoje, são base para a grande maioria das aplicações de software desktop.
O “pulo do gato” da Microsoft, com sistemas operacionais, foi perceber computadores como “interfaces de acesso” para sua plataforma – o sistema operacional.
Para a Microsoft, fabricantes de computadores operavam como provedores de acesso a plataforma. Quanto mais fabricantes, maior o número de usuários. Quanto mais usuários, mais desenvolvedores criando sistemas. Quanto mais sistemas, maior interesse de potenciais usuários. Quanto mais interesse, mais fabricantes dispostos a produzir computadores compatíveis. Efeito de rede mais do que positivo.
As dificuldades da Microsoft, há alguns anos, se potencializaram pela redução da relevância do desktop frente a dispositivos móveis e a Web.
O caso do Android
O Android trouxe a Google, empresa líder em publicidade, reconhecida por seu buscador na internet, a condição de “líder da resistência a supremacia da Apple”.
Diferente da Apple, a Google, com o Android, optou por uma abordagem mais aberta.
De forma semelhante a Microsoft, Google obteve efeito de rede extremamente positivo. Primeiro, ela foi a alternativa para gigantes como Samsung e Motorola para continuar existindo. Também foi alternativa para usuários que gostariam dos “benefícios de plataforma” que a Apple garantia, sem aderir ao iPhone.
De forma semelhante a Apple, a força do ecossistema Android deu base para o surgimento de ofertas como tablets e watches.
De tempos em tempos, algumas empresas tentam criar “alternativas” para o Android e fracassam por não terem “efeito de rede positivo” o suficiente.
O caso do Windows Phone
A Microsoft tentou replicar no mercado de dispositivos móveis a fórmula que havia dado sucesso a companhia nos desktops. Entretanto, falhou.
O Windows Phone, como device, possuía características positivas. Entretanto, não conseguiu ter base de usuários grande o suficiente para motivar desenvolvedores a engajar no ecossistema, o que, por sua vez, não animava usuários.
A Microsoft chegou a tentar fazer uma aproximação de seu sistema operacional para desktops, o Windows, com a proposta para celular, o Windows Phone. A gigante de Seattle chegou inclusive a criar uma “interface comum” para as duas plataformas, a linguagem visual “Metro” – que foi base para o Windows 8 – mas que teve recepção negativa.
Quando Satya Nadella assumiu a Microsoft, dizia que a companhia seria reconhecida por mobilidade e nuvem. Hoje, a Microsoft parece estar se direcionando apenas para a nuvem.
O caso da Uber
Diferente de todos os exemplos até aqui, a Uber não criou uma plataforma de inovações, mas, sim, uma plataforma de transações.
A Uber mantém uma plataforma de transações digital para mobilidade, que conecta, através de seu aplicativo, motoristas parceiros com usuários que desejam se movimentar pelas cidades de maneira confiável e segura. A empresa não possui nenhum carro, tampouco emprega qualquer motorista.
A Uber conseguiu criar, inicialmente, um efeito de rede positivo. Mais passageiros motivaram mais motoristas parceiros a ingressar na plataforma. Quanto mais motoristas parceiros, melhor a qualidade da oferta e mais passageiros. Esse efeito de rede positivo, entretanto, tem sido desafiado frente a novas entrantes e desafios contextuais (como o preço dos combustíveis).
O caso da AirBnB
AirBnB, assim como o Uber, é uma plataforma de transações.
A AirBnB mantém como uma plataforma de transações digital para hospedagens, que conecta, através de seu site e aplicativo, anfitriões que desejam anunciar e alugar seus ambientes – principalmente residenciais – a possíveis hóspedes, com segurança para ambas as partes. A empresa não disponibiliza nenhum imóvel próprio para locação.
A pandemia do COVID-19 trouxe dificuldades para o AirBnB em função da redução do interesse frente a redução das viagens.
O caso do iFood
iFood também é uma plataforma de transações. Entretanto, envolvendo três partes.
A iFood mantém como uma plataforma de transações digital para entrega de comidas e itens mercado, que aproxima, através de seu site e aplicativo, consumidores, entregadores e estabelecimentos. A empresa não contrata entregadores diretamente, tampouco possui estabelecimentos próprios para fornecer refeições ou mercado.
Diferente do AirBnB, o iFood teve crescimento em função da pandemia.
A proliferação de “casos”
Há incontáveis “casos” que poderiam estar figurando nesse capítulo. Algumas menções honrosas são:
- Coursera – a plataforma que está revolucionando a educação;
- Mercado Livre – uma das plataformas de vendas mais usadas no Brasil;
- Amazon – a loja de tudo.
Enfim, os exemplos são muitos e “novos entrantes” emergem todos os dias.
Estrutura de uma plataforma
Estruturalmente, podemos analisar plataformas a partir de seus “atores”. Há quatro tipos de “atores” comuns em plataformas:
- Proprietário, que detêm propriedade intelectual e garante a governança;
- Provedores (prestadores de serviços especializados), que fornecem interfaces para serviços comuns, como meios de pagamento e acesso;
- Produtores, que disponibilizam ofertas por meio da plataforma;
- Consumidores, que contratam as “ofertas” dos produtores.
Na figura abaixo fica expressa a relação entre os “atores” de um ecossistema de plataforma, utilizando o Android como referência.
Plataforma: A Revolução da Estratégia Interessado em entender plataformas em profundidade? Então este livro é referência fundamental. Ele apresenta conceitos, implicações e aspectos arquiteturais fundamentais para entender, com profundidade, como plataformas estão revolucionando a estratégia.
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O impacto do digital em plataformas
Como já foi dito, “plataformas”, sobretudo as de “transações”, enquanto conceito, não é novidade. Entretanto, a “adição tecnológica” tem permitido a redefinição acelerada da competição.
Definição: Plataforma Digital
Plataformas digitais são organizações que conectam indivíduos e empresas a um propósito comum ou uso compartilhado de algum recurso, utilizando recursos digitais para processamento, armazenamento de dados e conectividade, como forma de eliminar restrições de escala e escopo.
A onipresença dos dados, combinados com conectividade ampla e poder computacional sem precedentes tem viabilizado o surgimento de ofertas como as da Uber, AirBnB e iFood.
Três vetores para o crescimento exponencial Entendemos que há três vetores determinantes sustentando plataformas: processamento, armazenamento e conectividade. Nesse episódio do Tech & Biz, disponibilizado em áudio e vídeo, falamos mais sobre esses três vetores.
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Plataformas digitais sofrem menos com o “peso” de infraestruturas físicas limitantes, suportando ganhos de escala e escopo únicos.
Dois tipos fundamentais de plataforma
Estrategicamente, podemos analisar “plataformas” sob duas perspectivas. A primeira, mais comum em tecnologia, é como base para inovações. A segunda, mais comum em negócios, é como suporte para transações.
Em qualquer caso, uma plataforma fornece fundações para a conexão entre indivíduos ou organizações, de forma que estes consigam interagir melhor, potencialmente, obtendo melhorias não-lineares em utilidade e valor.
Plataformas de inovações fornecem building blocks para que “produtores” desenvolvam ofertas novas e distintas para “consumidores”.
Plataformas de transações fornecem meios para que “produtores” confiáveis apresentem, vendam, ou concedam a cesso a oferta para “consumidores”.
Eventualmente, plataformas podem ser híbridas, ou seja, ao mesmo tempo, suportando inovações e transações.
Plataformas e os “efeitos de rede”
Em todos os “casos” que compartilhei neste capítulo, ficou marcante o impacto dos efeitos de rede em plataformas. Vejamos um pouco melhor o que isso significa.
Em plataformas, a análise de escala acontece no lado da demanda possível e é pautada por uma ampliação da lei de Metcalfe.
Lei de Metcalfe
Robert Metcalfe, co-inventor da Ethernet e fundador da 3Com, ressaltou que o valor de uma rede de telefonia cresce não linearmente conforme o número de assinantes aumenta, possibilitando mais conexões entre os assinantes.
Quando existe apenas um nó de distribuição, não há conexões possíveis. Uma rede de telefonia com apenas um aparelho faz com que o valor deste aparelho seja zero (não há utilidade). No entanto, à medida que mais pessoas compram telefones, o valor aumenta. Com dois telefones, é possível uma conexão. Com quatro telefones, seis. Com 12, 66. E com cem telefones, 4.950 conexões tornam-se possíveis.
Quando mais nós, mais valor tem uma rede. Quanto mais conexões possíveis em uma plataforma, maior será o seu valor.
Para potencializar o feedback positivo, plataformas precisam descomplicar e incentivar a adesão de novos participantes.
Para mitigar os riscos do feedback negativo, plataformas precisam instituir mecanismos fortes de curadoria nos pareamentos.
Para pensar…
A análise da competição fica mais difícil em cenários e contextos onde plataformas atuam. Nesses casos, a competição deixa de ser entre empresas agora é entre ecossistemas.
As forças competitivas de Porter, embora ainda válidas, precisam ser analisadas de maneira mais ampla. O poder de barganha, por exemplo, de fornecedores e clientes passa a ser fortemente impactado pela atuação do “dono da plataforma”. Isso foi visto, recentemente, no embate entre motoristas parceiros e plataformas de mobilidade como a Uber.
As ações publicitárias, parte antes da cadeia primária de valor, estão se deslocando, cada vez mais, para as plataformas. Com a digitalização, elas são cada vez menos genéricas – direcionadas para nichos – e cada vez mais especializadas – direcionadas a indivíduos.
Antes de seguir em frente…
Antes de avançar, sugiro as seguintes reflexões:
- Há alguma plataforma atuando e competindo com a empresa onde você atua hoje?
- A empresa onde você atua opera em uma plataforma? Em caso positivo, qual o papel exercido por sua empresa?
- Caso a sua empresa não atue como parte de uma plataforma hoje, consegue vislumbrar a oferta atual remodelada em uma plataforma de inovações ou de transações?
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Tem um erro na penúltima frase. Acho que queria dizer “Uma loja de aplicativos sofre…” e não sobre.